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Mais amor por favor, uma análise comportamental do Amor
Jonatas Passos


Mais amor por favor, uma análise comportamental do Amor - Jonatas Passos

   Mais amor por favor, uma análise comportamental do Amor - Jonatas Passos, via Comporte-se

   Ao primeiro relance pode parecer estranho falar de amor em um texto sobre Análise do Comportamento, especialmente para quem vê de fora o modelo. No entanto, o “amor” é tema recorrente na literatura analítico-comportamental, de Skinner (1987, 1991), a Sidman (2011) e Tsai et al. (2008). O que chamamos de “amor” é tão importante que algumas intervenções comportamentais sugeridas para inúmeros contextos se utilizam e incentivam o uso do conceito. Mas até aqui o leitor pode questionar-se sobre o conceito “amor” ser pouco descritivo, funcional e até mesmo científico. Skinner, no entanto, explica o conceito da seguinte (e bastante conhecida) forma:

   “O que é o amor (…) a não ser um outro nome para o uso de reforçamento positivo (…) ou vice-versa”
(Skinner, 1987, p. 296).

   Importante salientar que, de acordo com esta conceituação, não estamos nos referindo ao amor sexual (apenas), mas sim a determinado contexto social governado primariamente por reforçamento positivo (i.e., quando um comportamento produz uma consequência que mantém ou aumenta sua frequência, intensidade ou duração, tornando mais provável sua ocorrência futura), seja este contexto uma relação conjugal, a contato entre pais e filhos, a amizade e até mesmo a audiência não punitiva da relação terapêutica analítico-comportamental (Tsai et al., 2008). Certamente que qualquer conceito acerca do amor poderá ser insuficiente, em função de suas múltiplas definições sociais, e também em face de este ser não um único sentimento, mas um conjunto deles (Guilhardi, 2008), muitas vezes ambíguos.

   Mas por que falar de amor?

   O amor está presente nas músicas, nas histórias dos livros, no cinema e na poesia; ele é parte da nossa sociedade e de nós mesmos. Mas apesar de sua ubiquidade, por que fazemos tanto o seu oposto? Por que coagíamos tanto ao invés de utilizar o amor – aqui como reforço positivo – em nossas relações sociais? Para Sidman, parte da resposta está no quão rápido funciona a punição (Sidman, 2011). A punição, para a Análise do Comportamento é toda consequência de um determinado comportamento que acaba por terminá-lo, o que usualmente ocorre no curto prazo. Ou seja, a punição interrompe um determinado comportamento em ação, quase que imediatamente. Visto que, de forma geral, somos governados pelas consequências de curto prazo (Passos, 2015a), o efeito do comportamento punitivo para o agente que pune é muito forte, mantendo seu comportamento de punir (Sidman, 2011).

   A punição, juntamente do reforçamento negativo (i.e., quando um determinado comportamento ocasiona a retirada de um estímulo aversivo e, por isso tem maior probabilidade de voltar a ocorrer) são englobados no conceito de controle aversivo (Martins, Neto, De, & Mayer, 2013) ou coerção (Sidman, 2011). Este controle aversivo, tão efetivo para cessar comportamentos, tem inúmeros “lamentáveis subprodutos” que podem acabar por destruir relações, bem-estar individual e social e criar uma cadeia coercitiva interminável, além de gerar um repertório empobrecido, emoções intensas e muito sofrimento individual e coletivo (Sidman, 2011; Skinner, 1981), podendo estar relacionado com ansiedade (Skinner, 1981) e até mesmo depressão (Ferster, 1973; Miller & Seligman, 1975).

   Em função de todos os efeitos deletérios da punição, analistas têm, historicamente, buscado alternativas ao controle aversivo para desenvolver e manter repertórios. E é aí que o reforçamento positivo – amor – entra como uma possível alternativa ao uso da coerção enquanto ferramenta de aprendizagem. Um repertório que é governado por reforçamento positivo contingente (ou natural) tende a ser mais flexível e a não ser acompanhado dos efeitos da punição (Sidman, 2011). No entanto, seu efeito nem sempre é imediato; e mesmo que a magnitude do reforço positivo seja muito grande, nem sempre será mais provável sua ocorrência no futuro em função do seu atraso.

   Mas então, o que/como fazer?

   Partindo do pressuposto que qualquer resposta definitiva a esta questão seria incompleta – e até ingênua –, algumas sugestões foram feitas pela comunidade de analistas do comportamento. Obviamente que, em função do poder que a coerção tem para o comportamento do agente punidor, e em função de nossa sociedade ser baseada na punição (nossas leis e regras são, em sua maioria, inerentemente coercitivas), uma sociedade livre de punição é em essência utópica (Sidman, 2011). Todo o movimento visando uma sociedade não-punitiva tende a ser lento, do ponto de vista cultural; o que não significa que não se possa fazer diferente nas nossas relações mais próximas.

   Ainda, é importante salientar que o que chamamos de amor é uma definição funcional, ou seja, é um fenômeno relacional entre comportamento e as suas consequências, e não uma topografia – a forma do comportamento. Ao tomarmos o amor como um outro nome para o reforço positivo (especialmente o natural – produto direto de um comportamento), também iremos concluir que não amamos a alguém, mas ao comportamento de alguém, o que obviamente transforma este alguém em um estímulo altamente reforçador (Skinner, 1991). Skinner, seguindo a lógica de sua teoria selecionista (Skinner, 2007), descreve três tipos de amor: Eros, Philia e Ágape (Skinner, 1991).

   O primeiro é um tipo de amor relacionado à seleção natural (filogenia), existindo uma tendência genética bastante importante envolvida com a preservação da espécie e pode estar vinculado ao comportamento sexual, mas também ao comportamento parental. Já o amor Philia está associado ao que é reforçador para o sujeito, ou seja, está intimamente relacionado com o nível ontogenético. Nós podemos amar coisas, artes, lugares, assuntos e até mesmo tipo de pessoas. Por fim, o amor Ágape é um tipo de amar cultural, na qual não é nosso comportamento que é reforçado, mas o comportamento daqueles que amamos. Este ao demonstrar este amor altruísta, expressamos ao outro (ou ao grupo) o apresso pelo que este faz. Desta forma a direção do reforçamento é invertida no Ágape; embora também o possa ser no Eros, quando nos reforçamos ao dar prazer ao outro, e no amor Philia quando fundamos algum movimento que promova as coisas que nos são reforçadoras (Skinner, 1991). Estas características demonstram que o amor, antes de mais nada, é uma emoção de mão-dupla (“eu te reforço, e você me reforça”, e assim por diante).

   Uma distinção importante, quando falamos de amor enquanto um tipo de reforçamento, é que nem todo o reforço positivo pode ser caracterizado como “amor”. O reforço positivo é a consequência última do comportamento, podendo ser produzido diretamente por ele, ou não. No primeiro caso dizemos que o reforço é natural ou contingente, ou seja, o comportamento produz uma consequência direta; já conceitua-se o segundo como arbitrário, quando uma determinada consequência apresentada após um comportamento não foi produzida diretamente por ele (Skinner, 1982). Por exemplo, quando um sujeito que tem muita dificuldade de fazer pedidos, mas em um dado momento acaba por fazê-lo, a consequência natural poderia prestar atenção ao pedido, ou até mesmo responder afirmativamente a ele; já uma consequência arbitrária seria parabenizá-lo por ter conseguido fazer o pedido. Embora os reforçadores arbitrários sejam muito mais visíveis, são os reforçadores naturais os mais poderosos, e quando falamos de amor estamos nos referindo a estes (Tsai et al., 2008).

   O amor também pode ser desenvolvido através de uma educação reforçadora, embora a educação usual seja, muitas vezes, punitiva e uniformizadora em sua essência (Sidman, 2011; Skinner, 1975). Na tentativa de redução de custos e de evitar riscos, muitas vezes opta-se por uma educação padronizada que é pouco reforçadora, o que pode culminar em consequências bastante problemáticas, tais como evasão escolar, brigas e descaso pela escola, e até mesmo na aversão de ambientes educacionais e na baixa frequência do comportamento de estudar. Em um ambiente assim podem destacar-se professores que buscam nos seus alunos o que lhes é naturalmente reforçador. Outrossim, um professor amoroso pode ser importante instrumento para o desenvolvimento de um repertório criativo, ético e voltado para o grupo de um grupo de alunos, mantendo-lhes, inclusive, a motivação para estarem na escola e o “amor ao saber” (Skinner, 1975).

   O amor nas relações próximas e na psicoterapia

   Manter relações não-coercitivas e reforçadoras é a base da intimidade (Cordova & Scott, 2001; Tsai et al., 2008) (para uma revisão, ler Passos (2015b)) e do aprofundamento relacional, sendo um dos pilares do comportamento de amar. Quando nos mostramos abertos ao outro, em especial arriscando fazer comportamentos outrora punidos ou vulneráveis à punição, e este outro nos reforça, a própria relação se transforma em um contexto reforçador para a díade. A intimidade é base para diferentes tipos de relacionamentos, tais como relações conjugais, parentais e amizade, dentre outros. Esta conexão interpessoal fortalece promove carinho, confiança segurança e tantas outras consequências, possibilitando um relacionamento genuíno e implicado (Tsai et al., 2008).

   Um relacionamento pautado por predominância de reforçadores positivos naturais mútuos por si só será um estímulo reforçador condicionado, e mesmo que em algum momento possa existir algum tipo de coerção (por exemplo brigas ou ciúmes), a balança pende para o lado do reforço (Sidman, 2011). Infelizmente muitas relações próximas justamente acabam sendo tomadas pelo excesso de controle aversivo, o que muitas vezes pode culminar no próprio término do relacionamento ou na manutenção de uma relação tóxica e pouco reforçadora (ou negativamente reforçadora). Todos os subprodutos do controle aversivo, acima listados, podem ocorrer neste tipo de relacionamento, minando relacionamentos amorosos, familiares, fraternais e tantos outros (Sidman, 2011).

   Muitas vezes é papel justamente da psicoterapia desenvolver um repertório de amor, historicamente minado pela coerção, ou de trabalhar com os subprodutos do controle aversivo oriundo das relações sociais (Skinner, 1981; Tsai et al., 2008). Para que se possa fazer este trabalho a própria relação terapeuta-cliente deve ser do mais genuíno amor. Toma-se o terapeuta comportamental como uma audiência não-punitiva, mas mais que isto, naturalmente reforçadora. O processo de desenvolvimento de repertório através do reforço positivo pode ser bastante poderoso para criar e manter comportamentos, através da modelagem (criação de repertório por reforçamento diferencial), mas também da modelação (o terapeuta servindo de modelo para o cliente). Por exemplo, na Psicoterapia Analítica Funcional (FAP), um terapeuta pode tomar o risco de auto-expor-se ao cliente, trazendo alguma vulnerabilidade à sessão de forma a reforçar alguma exposição do cliente ou até mesmo de servir de um modelo para que este exponha-se (Passos, 2015b; Tsai et al., 2008).

   Amor também para dizer não

   Certo, mas será que é possível sempre sermos amorosos? É possível que possamos evitar toda e qualquer punição? Estas perguntas permeiam as discussões da análise do comportamento frequentemente, e frequentemente a resposta é: nem sempre é possível evitar a coerção (Sidman, 2011; Skinner, 1975, 1981; Tsai et al., 2008). Pelo efeito mais imediato, a punição pode ser necessária para evitar algum tipo de risco à quem amamos; tome por exemplo a criança que vai mexer no fogo e a mãe grita com a criança, fazendo-a afastar-se do estímulo perigoso. Neste caso houve punição, em função do amor que a mãe tem pela criança. Pode ser que, muitas vezes, tenhamos que bloquear um determinado comportamento de quem amamos, pois isto nos levará a um reforço de longo prazo, assim como a esquiva de um determinado estímulo aversivo muito mais intenso, como a interrupção do próprio relacionamento. No entanto é justamente o reforço natural e de grande magnitude posterior à punição que irá caracterizar o “amor”, como no caso da mãe que abraça e beija a criança que sai de perto do fogão, ou ao fazermos amor após discutir o relacionamento com nosso(a) cônjuge.

   Outra pergunta relevante é se a implementação de uma cultura amorosa é simples? Pela literatura da análise do comportamento, a resposta tende a ser não. Nossa cultura – assim como a própria natureza – extremamente coercitiva nos treinaram com um repertório bastante aprimorado de punições e de esquivas e fugas (Sidman, 2011). Mudar talvez não seja fácil, e provavelmente exija bastante treino e consciência dos efeitos da punição nossa de cada dia, assim como das consequências do amar ao outro (Skinner, 1987).

   Embora a literatura da análise do comportamento enfatize o uso do reforço positivo em detrimento à punição e reforço negativo, ainda estamos longe de desenvolver uma tecnologia capaz de disseminar amor (o que talvez seja uma das grandes metas da Análise do Comportamento). A novela utópica comportamental Walden II (Skinner, 1987), por exemplo, apresenta uma sociedade pautada justamente pelo uso do reforço positivo enquanto principal ferramenta social, mas que é tão distante do que vemos em nossa sociedade. Talvez precisemos começar o contágio de amor pelas nossas relações mais próximas, pela formação de nossos filhos e alunos e pela nossa atuação com a comunidade (Sidman, 2011). Para tal precisamos aprender o que é amar, o que é reforçar naturalmente ao outro, e quem sabe até admitir nossos “erros” ao usar a coerção em nossas relações mais próximas. Talvez em algum momento estejamos tão hábeis nisto que não será mais arriscado amar e deixar-se ser amado.


   Referências

Cordova, J. V., & Scott, R. L. (2001). Intimacy: A behavioral interpretation. The Behavior Analyst, 24(1), 75–86.

Ferster, C. B. (1973). A functional analysis of depression. American Psychologist, 28(10), 857–870. https://doi.org/10.1037/h0035605

Guilhardi, J. H. (2008). Como a análise do comportamento define o amor? Recuperado de http://www.itcrcampinas.com.br/jornal/dialogo_edicao17.html

Martins, T. E. M., Neto, C., De, M. B., & Mayer, P. C. M. (2013). B. F. Skinner e o uso do controle aversivo: um estudo conceitual. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 15(2), 5–17.

Miller, W. R., & Seligman, M. E. P. (1975). Depression and Learned Helpless in Man. Journal of Abnormal Psychology, 84(3), 228–238.

Passos, J. A. F. (2015a). Somos todos um pouco imediatistas [Comporte-se]. Recuperado de https://www.comportese.com/2015/05/somos-todos-um-pouco-imediatistas/

Passos, J. A. F. (2015b). Treinando intimidade e construindo relações mais profundas com a FAP [Comporte-se]. Recuperado de https://www.comportese.com/2015/11/intimidade-e-fap

Sidman, M. (2011). Coerção e suas Implicações. São Paulo: Livro Pleno.

Skinner, B. F. (1975). Tecnologia do ensino. (R. Azzi, Trad.). São Paulo / SP: E.P.U / EDUSP.

Skinner, B. F. (1981). Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes.

Skinner, B. F. (1982). Contrived reinforcement. The Behavior Analyst, 5(1), 3–8.

Skinner, B. F. (1987). Walden II: uma sociedade do futuro (1o ed). E.P.U.

Skinner, B. F. (1991). Questões recentes na análise comportamental. (A. L. Neri, Trad.). Campinas / SP: Papirus Editora.

Skinner, B. F. (2007). Seleção por conseqüências. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 9(1), 129–137.

Tsai, M., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Kohlenberg, B., Follette, W. C., & Callaghan, G. M. (2008). A Guide to Functional Analytic Psychotherapy: Awareness, Courage, Love, and Behaviorism. Springer Science & Business Media.

 

 

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